quarta-feira, maio 12, 2010

Por dentro da mente do consumidor


O empresário Henry Ford, conhecido entre outras coisas por desprezar pesquisas de mercado, afirmou há mais de um século que, se tivesse perguntado aos consumidores o que queriam antes de criar o pioneiro Ford T, o resultado teria sido um cavalo mais rápido -- e não um automóvel. Talvez essa seja a primeira constatação sobre a discrepância entre o que os clientes dizem e o que eles realmente querem ou precisam. Nos últimos tempos, por desconfiar de que as pesquisas tradicionais não eram suficientes para saber o que de fato os consumidores queriam, muitas empresas passaram a observá-los em vez de apenas lhes fazer perguntas. Desde os anos 80, o mais conhecido guru dessa corrente, o consultor Paco Underhill, colecionou cerca de 20 000 horas de vídeos em que grava o comportamento de clientes dentro de supermercados.

Mais recentemente, pesquisadores de grandes indústrias foram além e começaram, em incursões etnográficas, a frequentar a casa de clientes para ver o que, por que e como eles consomem os mais diversos produtos, de sabão em pó a sorvete. Agora, a pesquisa de mercado ultrapassa outra fronteira, a de entrar -- em alguns casos literalmente -- na cabeça dos novos consumidores. É o que fez a americana Kimberly-Clark com a embalagem de um novo modelo de fralda lançado em maio deste ano. Antes de chegar ao mercado, o pacote passou pelo crivo de 300 mulheres. Os pesquisadores não perderam tempo com perguntas. Enquanto elas observavam o produto no laboratório da companhia, no estado americano de Wisconsin, um equipamento chamado eye-tracking rastreava o caminho da íris de cada uma delas.

A embalagem escolhida atraiu mais olhares para a informação de que o produto era feito de algodão orgânico e vitamina E -- dado observado por 69% das entrevistadas. "Nos últimos anos reduzimos drasticamente as pesquisas com questionários", disse a EXAME Greg Mather, diretor de marketing da Kimberly-Clark nos Estados Unidos. "Simplesmente porque as pessoas, em geral, falam uma coisa e fazem outra. Com o eye-tracking, temos um veredito inequívoco."

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A mudança de comportamento representa a busca de resposta para uma questão que vale centenas de bilhões de dólares gastos em marketing, a cada ano, por empresas em todo o mundo. Para flagrar o que se passa dentro da mente de consumidores e acertar o destino desses bilhões, vale o rastreamento da íris, câmeras de vídeo capazes de acompanhar clientes numa loja e estabelecer padrões de comportamento e até o novíssimo neuromarketing -- aplicação da neurociência ao marketing. Por meio de eletrodos que captam variações na atividade cerebral, acredita-se que hoje seja possível medir a reação das pessoas a marcas ou produtos (veja quadro). "É estranho quanto tempo levou para ciência e marketing se unirem", afirma o consultor de marcas dinamarquês Martin Lindstrom, especialista em neuromarketing, em seu livro A Lógica do Consumo, lançado neste ano. "Afinal, a ciência existe desde que começamos a nos questionar sobre nosso comportamento. E o marketing, uma invenção do século 20, faz perguntas do mesmo tipo há mais de 100 anos."

Algumas das tecnologias hoje aplicadas ao marketing já estavam disponíveis há algum tempo, mas ficaram por décadas restritas ao campo científico. Os estudos que basearam a análise do eye-tracking, por exemplo, remontam aos anos 60. O psicólogo russo Alfred Yarbus publicou em 1967 o primeiro trabalho científico em inglês que relaciona o movimento dos olhos à atenção. A teoria saiu do mundo acadêmico para ter uma aplicação comercial massiva apenas neste século. Para empresas como a Kimberly-Clark, o uso do rastreamento da íris só se tornou sistemático com a criação de sua loja virtual, inaugurada há quase dois anos. Algo semelhante aconteceu com a Procter&Gamble, que inaugurou um moderno laboratório para pesquisas, apelidado de The Cave (ou "A caverna"), em julho de 2006, em sua sede, em Cincinatti. Nos dois casos, trata-se de um espaço com telas capazes de reproduzir virtualmente o ambiente de uma loja. Os consumidores pesquisados podem simular que empurram um carrinho de compras entre as gôndolas de um supermercado. Enquanto passeiam, o eye-tracking faz o resto do trabalho -- detecta o que mais chama a atenção das pessoas, seja numa embalagem, seja numa peça publicitária. Ao contrário da Kimberly, que até agora só usou o equipamento em seu país de origem, a Procter trouxe a prática de aplicar o rastreamento para o Brasil (embora num ambiente bem mais simples do que a loja virtual americana). O exemplo mais recente do uso dessa tecnologia por aqui aconteceu no lançamento da nova marca de creme dental Oral-B no mercado brasileiro, em março deste ano. Para verificar a eficácia das mensagens da embalagem, a empresa submeteu cerca de 200 consumidores ao uso de eye-tracking num laboratório em São Paulo. Cada um deles analisou a embalagem por até 10 segundos. No final, foi escolhida a versão em que cerca de 90% dos pesquisados olhavam primeiro para a marca Oral-B. "É uma maneira de ganhar tempo e evitar retrabalho mais tarde, ao ter de investigar por que não deu certo", afirma Cesar Benitez, diretor de pesquisa da Procter&Gamble no Brasil.